É possível a exclusão do cálculo das despesas com pessoal dos valores despendidos por município com a terceirização de serviços médicos não compreendidos na Atenção Básica à Saúde, como as despesas com a contratação de profissionais médicos plantonistas para o período noturno, finais de semana e feriados; e de serviços de médicos especialistas e de socorristas com especializações em Suporte Avançado de Vida ao Trauma e em Suporte Avançado de Vida em Cardiologia.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Três Barras do Paraná (Região Oeste), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de se excluir do cálculo de despesa de pessoal o gasto com médico plantonista se esse cargo não constar no quadro de pessoal da administração.
Instrução do processo
Segundo o parecer da assessoria jurídica do consulente, as despesas questionadas devem ser contabilizadas na categoria econômica “3.390.39 – outros serviços de terceiros – pessoa jurídica” e não como “3.390.34 – outras despesas de pessoal decorrentes de contrato de terceirização”, pois os serviços de plantão não caracterizam substituição de mão de obra se não existir o cargo de médico plantonista.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR ressaltou que a contratação de serviços de saúde mediante licitação exige, primeiramente, a comprovação de que esses serviços não estejam circunscritos às atribuições normais da Secretaria de Saúde e no nível de classificação atribuído pelo Ministério da Saúde ao município – atenção básica, média complexidade e alta complexidade – ou à demonstração de excepcionalidade, que justificasse a contratação dos serviços médicos -plantonistas.
Legislação e jurisprudência
O inciso I do artigo 30 da Constituição Federal (CF/88) fixa que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local.
O inciso II do artigo 37 da CF/88 dispõe que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei, de livre nomeação e exoneração.
O artigo 169 da Constituição Federal (CF/88) dispõe que a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.
O parágrafo 2º desse artigo estabelece que, decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios que não observarem os referidos limites.
O parágrafo seguinte (3º) fixa que, para o cumprimento dos limites estabelecidos com base nesse artigo, durante o prazo fixado na lei complementar, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios adotarão as providências para redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; e exoneração dos servidores não estáveis.
O parágrafo 4º do artigo 169 expressa que “se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal”.
O artigo 196 da CF/88 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo 199 da CF/88 expressa que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada; e o seu parágrafo 1º fixa que as instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde (SUS), segundo suas diretrizes, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
O artigo 18 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) dispõe que se entende como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.
O parágrafo 1º do artigo 18 da LRF fixa que os valores dos contratos de terceirização de mão de obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras Despesas de Pessoal”.
O artigo seguinte (19) fixa que, para os fins do disposto no artigo 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida (RCL) de 50% na União e 60% nos estados e municípios.
O artigo 20 dessa lei complementar dispõe que a repartição dos limites globais do artigo 19 não poderá exceder, na esfera municipal, 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; e 54% para o Executivo.
Para o município que ultrapassa 95% do limite, é vedado, segundo o parágrafo único do artigo 22 da LRF: concessão de vantagens, aumentos, reajuste ou adequações de remuneração a qualquer título; criação de cargo, emprego ou função; alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal, ressalvada reposição de aposentadoria ou falecimento de servidores nas áreas de educação, saúde e segurança; e contratação de hora extra, ressalvadas exceções constitucionais.
O artigo 24 da Lei nº 8.080/90 (Lei do SUS) dispõe que, quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada; e, em seu parágrafo único, fixa que a participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
O artigo 3º da Portaria nº 2.567/16 do Ministério da Saúde (MS), que regulamenta a participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde e o credenciamento de prestadores de serviços de saúde no SUS, estabelece que, nas hipóteses em que a oferta de ações e serviços de saúde públicos próprios forem insuficientes e comprovada a impossibilidade de ampliação para garantir a cobertura assistencial à população de um determinado território, o gestor competente poderá recorrer aos serviços de saúde ofertados pela iniciativa privada.
O artigo 130 da Portaria de Consolidação nº 1/17 do MS expressa que, nas hipóteses em que a oferta de ações e serviços de saúde públicos próprios forem insuficientes e comprovada a impossibilidade de ampliação para garantir a cobertura assistencial à população de um determinado território, o gestor competente poderá recorrer aos serviços de saúde ofertados pela iniciativa privada.
Por meio da decisão monocrática do ministro Roberto Barroso, proferida no Recurso Especial 1188535/SP, o Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou a constitucionalidade da qualificação de entidade como Organização Social (OS) com o fim de formalização de contrato de gestão de Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
O Acórdão nº 244/23 do Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 652627/21) dispõe que é possível a celebração de contrato de gestão com OS para o gerenciamento de serviços de saúde em UPA, desde que as disponibilidades já ofertadas de ações e serviços de saúde pelo ente público sejam comprovadamente insuficientes para garantir a cobertura assistencial aos usuários do SUS, nos termos da Lei do SUS.
Ainda conforme esse acórdão, somente é possível a celebração de contratos de gestão com OSs qualificadas no âmbito do próprio ente que pretende contratualizar a gestão, por meio da edição de lei local. Caso a qualificação seja efetuada por outro ente da federação, ocorrerá violação aos princípios constitucionais da separação dos poderes, do caráter federativo e da autonomia do ente.
O Acórdão nº 1314/21 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Processo nº 57.514-9/19) estabelece que não é toda e qualquer despesa com terceirização de mão de obra que necessariamente será contabilizada como “outras despesas de pessoal” e, portanto, deterá aptidão de impactar no índice de gastos com pessoal; mas apenas aquelas que reflitam nítida natureza de substituição de servidores ou de empregados públicos.
Esse acórdão fixa, ainda, que o parágrafo 1º do artigo 18 da LRF não faz referência a toda e qualquer terceirização, mas apenas àquela que substitui servidor ou empregado público, razão pela qual se sugere investigar, caso a caso, se o servidor está empregado na atividade-fim da instituição ou se existe o respectivo cargo no Plano de Cargos e Salários. Assim, não se deve considerar como substituição de servidores e empregados públicos, para efeito do cálculo, os contratos de terceirização relativos à execução indireta de atividades que, sejam acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade, na forma de regulamento.
O Acórdão nº 3973/20 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Processo nº 84.722-6/18) expressa que, com a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1923, foi reconhecida pelo STF, em controle concentrado de constitucionalidade, a possibilidade de terceirização dos serviços de saúde a partir de uma decisão político-administrativa do gestor público, desvinculada da limitação da mera complementariedade, mas atrelada à necessidade de se observar as exigências da comunidade a ser atendida, conjuntamente com os demais ditames legais, evitando-se a mera interposição de pessoa jurídica, como intermediária para a contratação de mão de obra.
O Acórdão nº 2238/20 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Processo nº 67.685-5/18) dispõe que os serviços especializados, os plantões médicos prestados em período noturno, finais de semana e feriados e os serviços de saúde de média e alta complexidade têm sido considerados pelo TCE-PR de natureza complementar às ações de Atenção Básica de Saúde, a que se refere a Portaria nº 2.488/11 do Ministério da Saúde, e, desta forma, extrapolam a competência municipal e não devem ser considerados no índice de pessoal dos municípios.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Fabio Camargo, lembrou que, em regra, os serviços públicos de saúde devem ser prestados de maneira direta, mediante a estrutura e corpo de pessoal próprios dos órgãos e entes públicos. Mas ele afirmou, contudo, que a Constituição Federal permite a participação complementar da iniciativa privada no âmbito do SUS, conforme disposição do parágrafo 1º do seu artigo 199.
Camargo explicou que a Lei 8.080/90 esclarece que a participação suplementar poderá ocorrer quando a estrutura própria do SUS for insuficiente. Assim, ele entendeu que é admissível a participação complementar com caráter subsidiário.
O conselheiro ressaltou que o TCE-PR já decidira que a inclusão das despesas médicas no índice de pessoal somente deve ocorrer no caso de contratação de terceirizados para a prestação de plantões médicos, por constituírem serviços de Atenção Básica à Saúde, como “outras Despesas com Pessoal”, exceto quando devidamente demonstrada sua prestação no período noturno ou em finais de semana e feriados, situação em que somente irão compor os gastos com pessoal quando houver cargos vagos de médico plantonista.
O relator afirmou que tem se posicionado quanto à natureza complementar dos plantões médicos prestados em período noturno, finais de semana e feriados e os serviços de saúde de média e alta complexidade; e que as despesas relativas à prestação desses serviços não devem ser consideradas no índice de pessoal dos municípios.
Camargo considerou que, para a correta definição do registro contábil da despesa, é preciso saber se os serviços prestados extrapolam a atividade-fim do município, que seria a Atenção Básica à Saúde.
Em relação às OSs, o conselheiro destacou que, por adotarem um regime jurídico especial que lhes possibilitam buscar maior eficiência na prestação de serviço público essencial, no caso da saúde pública, os contratos de gestão transcendem a mera terceirização de servidores públicos e não se enquadraram no conceito de contrato de terceirização de mão de obra a que se refere o parágrafo 1º do artigo 18 da LRF, razão pela qual os montantes alocados na celebração desses contratos não podem integrar o índice com despesas com pessoal.
O relator concluiu que, de fato, haveria evidente contradição submeter ou restringir a atuação das OSs aos limites estabelecidos pelo índice de pessoal, inerente às entidades públicas, pois o STF já decidira que essas entidades não se enquadram no conceito de empresa pública, sociedade de economia mista, fundações públicas ou autarquias, já que não são controladas ou administradas pelo poder público na acepção empresarial da expressão.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na Sessão Ordinária nº 2/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, realizada presencialmente em 31 de janeiro. O Acórdão nº 106/24 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 9 de fevereiro, na edição nº 3.149 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).
Serviço
Processo nº: | 295714/16 |
Acórdão nº | 106/24 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Consulta |
Entidade: | Município de Três Barras do Paraná |
Relator: | Conselheiro Fabio de Souza Camargo |
Autor: Diretoria de Comunicação Social
Fonte: TCE/PR
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